sexta-feira, 30 de agosto de 2013


Amém é coisa séria!




Amém!



Por Wilhelmus à Brakel


É comum ouvirmos a afirmação que o significado das palavras hebraica e grega traduzidas como “amém” é “que assim seja”. Ouvimos, por exemplo, que devemos finalizar nossas orações com um convicto “amém”, a fim de expressar nosso forte e sincero desejo de que Deus atenda nossas petições. E, de fato, a palavra pode ser entendida dessa forma. Edward Robinson diz que a palavra aparece “usualmente no final de uma oração, onde serve para confirmar as palavras que precedem” (Léxico Grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012. p. 46). Isso pode ser visto, por exemplo, em Neemias 5.13: “Também sacudi o meu regaço e disse: Assim o faça Deus, sacuda de sua casa e de seu trabalho a todo homem que não cumprir esta promessa; seja sacudido e despojado. E toda a congregação respondeu: Amém! E louvaram o SENHOR; e o povo fez segundo a sua promessa” (cf. Deuteronômio 27.15-26; 1Reis 1.36; 1Coríntios 14.16). Não é incorreto afirmar que dizer “amém” é uma expressão de desejo pela consecução daquilo que é pedido ou uma confirmação do que foi afirmado.

Entretanto, a palavra “amém” possui um significado mais solene. O estudiosoHans Bietenhard afirma: “Através do ‘amém’, aquilo que foi falado é afirmado como certo, positivo, válido e obrigatório” (Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. 1. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 110). Trata-se, portanto, de uma afirmação de veracidade. Dizer “amém” é jurar que aquilo que foi afirmado na oração é expressão da verdade. Nesse sentido, quando suplicamos algo a Deus e dizemos “amém”, estamos expressando diante do Senhor que o nosso desejo é sincero e verdadeiro. Quando louvamos a Deus e finalizamos com “amém” estamos afirmando diante d'Aquele que sonda o nosso coração, que verdadeiramente o valorizamos e o consideramos como supremamente valioso.

Esse significado pode ser visto, por exemplo, em Isaías 65.16: “de sorte que aquele que se abençoar na terra, pelo Deus DA VERDADE é que se abençoará; e aquele que jurar na terra, pelo Deus DA VERDADE é que jurará”. A palavra hebraica traduzida pela Almeida Revista e Atualizada como “da verdade” é 'amên. Literalmente, o texto diz: “aquele que se abençoar na terra, pelo Deus DO AMÉM é que se abençoará; e aquele que jurar na terra, pelo Deus DO AMÉM é que jurará”. A ideia é que toda bênção e todo juramento terão a Deus como sua testemunha, Aquele que é a própria verdade, devendo, assim, serem feitos segundo a verdade e por coisas lícitas. Em Apocalipse 3.14, Jesus se identifica para o anjo da igreja de Laodiceia da seguinte forma: “Ao anjo da igreja em Laodiceia escreve: Estas coisas diz o AMÉM, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus”. Ao identificar-se como o “Amém”, Jesus está afirmando que o diagnóstico que ele apresentará a seguir é a mais pura expressão da verdade. Tudo o que ele tem a dizer é verdadeiro e, portanto, digno de crédito e de submissão da parte daqueles que ouvem. Gregory K. Beale diz que, “as três descrições ‘o Amém, a testemunha fiel e verdadeira’ não são distintas, mas geralmente se sobrepõem para sublinhar a ideia da fidelidade de Jesus ao testemunhar diante de seu Pai durante seu ministério terreno e sua continuidade como tal testemunha” (The Book of Revelation. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1999. p. 296). Simon Kistemaker, outro estudioso do Novo Testamento diz que, “o ‘Amém’ comunica a ideia daquilo que é verdadeiro, solidamente estabelecido e fidedigno”. (Comentário do Novo Testamento: Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 225).

De igual modo, quando desejava expressar de forma mais contundente a veracidade do seu ensinamento e como ele deveria ser levado a sério por seus discípulos, Jesus introduzia seus ditos no Evangelho de João com um duplo “amém”, que na nossa tradução aparece como “em verdade, em verdade vos digo”: “E acrescentou: Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (1.51; cf. 3.3,5,11; 5.19,24,25; 6.26,32,47,53; 8.34,51,58; 10.1,7; 12.24; 13.16,20,21,38; 14.12; 16.20,23; 21.18). Todo o seu testemunho é verdadeiro. Nele não há engano. Nas suas declarações não existem mentiras. Ele é a verdade e tudo o que Jesus afirma é verdadeiro.

Isto posto, devemos compreender que quando fazemos nossas orações a Deus, louvando-o, bendizendo-o, fazendo súplicas e intercessões, e respondemos com o “amém”, estamos dizendo ao Deus da Verdade, ao Deus do Amém, que nossos desejos são sinceros, que nosso coração está tomado de santas afeições por suas perfeições, majestade e glória. Quando oramos e concluímos com o “amém”, dizemos ao Deus que sonda os nossos corações que tudo o que expressamos é verdadeiro. Por esta razão, devemos levar muito a sério o dever da oração. Devemos nos aproximar de Deus sabendo que ele não vê como vê o homem. Ele vê o coração. Ele sabe quando nossos desejos estão direcionados para outras coisas. Ele conhece a insinceridade dos nossos corações. Quando não somos sinceros ou quando somos indiferentes em nossas orações, o “amém” é uma mentira dita ao Deus que tudo sabe. Por isso, que ele nos guarde de toda mentira e nos preserve no caminho da verdade, para que nossas orações sejam, de fato e de verdade, nas palavras de Wilhelmus àBrakel“a expressão de santos desejos a Deus, em nome de Cristo, que, por meio da operação do Espírito Santo, procede de um coração regenerado, junto com o pedido do cumprimento desses desejos”.

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Fonte: The Christian’s Reasonable Service. Vol. 3. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 1997. p. 446.

terça-feira, 27 de agosto de 2013


Perseverança dos santos 



“É Deus quem persevera, não o homem... É porque nunca abandona a sua obra que os crentes continuam de pé até o fim” (Berkhof).


“Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo.” (Mt 24.13)

Os que perseveram são os mesmo que são salvos, e não aqueles cujo amor se esfria “E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos.” (Mt 24.12). Isso não sugere que a nossa perseverança garanta a nossa salvação. Em toda a Escritura é ensinado exatamente ao oposto: como parte da sua obra salvadora, Deus assegura a nossa perseverança. Os verdadeiros crentes são “que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (1Pe 1.5). 

A garantia de nossa perseverança é construída sobre a promessa da nova aliança. Deus diz: “Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim” (Jr 32.40). Aqueles que de fato se afastam de Cristo dão prova conclusiva de que, desde o início, nunca foram crentes verdadeiros “Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos” (1João 2.19).
Dizer que Deus assegura a nossa perseverança, porém, não é dizer que somos passivos no processo. Ele nos guarda “mediante a fé” (1Pe 1.5), a nossa fé. Em alguns momentos a Escritura nos chama a guardarmos firme a nossa fé “guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel.” (Hb 10.23) “Venho sem demora. Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa” (Ap 3.11), ou nos adverte contra cairmos “Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários. Sem misericórdia morre pelo depoimento de duas ou três testemunhas quem tiver rejeitado a lei de Moisés. De quanto mais severo castigo julgais vós será considerado digno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça?” (Hb 10. 26-29).
Essas admoestações não negam as inúmeras promessas de que muitos crentes vão perseverar “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar.” (João 10.28-29)

“Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Rm 8.38-39)

“o qual também vos confirmará até ao fim, para serdes irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Co 1.8-9)

“Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus”(Fp 1.6).

Em vez disso as advertências e os apelos estão entre os meios que Deus usa para assegurar que perseveramos na fé. Observe que as advertências e promessas freqüentemente aparecem lado a lado. Quando, por exemplo, Judas diz aos crentes “guardai-vos no amor de Deus” (v. 21), ele imediatamente aponta para Deus “que é poderoso para vos guarda de tropeços” (v 24). 

A salvação que tem inicio na mente e no propósito de Deus há de terminar no cumprimento de Seu desígnio infalível. 

“Se a nossa escolha foi determinada desde a eternidade, perdurará por toda eternidade” (A.W. Pink)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Escravidão da Vontade

João Calvino (1509 - 1564)

Já vimos que o pecado tem domínio não somente sobre a raça humana em geral, mas sim sobre toda alma individual; agora vamos considerar se perdemos a liberdade completa, e se qualquer partícula dela ainda sobrou, que utilidade ela tem para nós. Para guardar-nos de todos os erros, prestamos atenção aos perigos que assaltam essa questão de ambos os lados. Se um homem é informado que perdeu todo o senso daquilo que é justo, imediatamente faz disso uma desculpa para preguiça, e, porque não possui forças próprias para pratica a justiça, trata o assunto inteiro com indiferença. Por outro lado, o homem não pode arrogar a si mesmo um só átomo de justiça sem furta a Deus de Sua honra e expor-se ao perigo de cair por vã confiança. Se não quisermos naufragar em qualquer uma destas rochas, devemos sustentar o seguinte rumo: devemos aprender que perdemos toda a bondade, e ao mesmo tempo a aspirar à bondade da qual estamos destituídos e à liberdade que perdemos.

É opinião universal dos filósofos que os poderes da razão são suficientes para o governo da mente humana; e que a vontade que está sujeita à razão realmente é atiçada pelos sentidos à praticas do mal, mas tem tanta liberdade de escolha que nada pode impedi-la de seguir os ditames da razão em todas as coisas. Entre os escritores eclesiásticos, embora todos reconheçam que a razão humana tem sido gravemente danificada pelo pecado, e que a vontade é poderosamente assediada por concupiscências malignas, no entanto, muitos se inclinam demasiadamente ao ponto de vista dos filósofos. Asseveram que a vontade do homem está livre, não porque ele pode exercer a livre escolha entre o bem e o mal, mas porque comete o mal pela sua vontade, e não por constrangimento. Muito bem, mas por que dignificar uma coisa tão pequena com um titulo tão orgulhoso? Uma liberdade esplêndida, de fato, se o homem não está constrangido a ser escravo do pecado, mas sua vontade e presa por seus grilhões! Odeio contendas acerca de palavras que cansam a igreja sem propósito algum; mas penso que devemos precaver-nos rigorosamente contra o emprego de palavras operam um erro pernicioso.

Quando somos informados que o homem possui o livre-arbítrio, quem não entende imediatamente que isto quer dizer que o homem é mestre da sua própria mente e vontade, e que tem poder em si mesmo para dirigir seu curso ou para o bem ou para o mal? Na verdade, a mente humana está tão disposta a receber a falsidade, que mais facilmente ingere o erro de uma só palavra do que a verdade de um longo discurso. De modo geral, se alguém resolver fazer uso do termo “a liberdade da vontade” sem subentender erro com isso, não discutirei com ele; mas devido pensar que não pode ser retido sem grande perigo, e que seria de grande vantagem para igreja evitá-lo totalmente, eu mesmo prefiro não usá-lo, e recomendo a outros, se pedirem meu conselho, a seguir meu exemplo. Nesta altura, digo outra vez que aquele que está mais humilhado e alarmado pela consciência da sua própria miséria, e vergonha, fez mais progresso no conhecimento de si mesmo. Não há perigo de superestimar nossa própria pobreza, se somente aprendemos que devemos procurar em Deus o suprimento das nossas necessidades; mas não podemos arrogar a nós mesmos a mínima coisa que não nos pertence, sem nos arruinar por vã confiança e sem roubar Deus da sua honra. Sempre que sentimos um desejo de reivindicar qualquer bondade como nossa própria, tenhamos certezas que o pensamento foi sugerido por aquele que disse aos nossos primeiros pais: “Sereis como Deus, sabendo o bem e o mal”; e rejeitemos tal conselho diabólico, a não ser que realmente estejamos dispostos a aceitar conselho de um inimigo. Certamente é agradável ter bondade suficiente para nos justificar em confiar em nós mesmo; mas podemos ser impedidos de semelhante vã confiança por muitas passagens importantes na Palavra de Deus, “Maldito o homem que confia no homem, faz da carne mortal o seu braço”, “Não faz caso da força do cavalo, nem se compraz nos músculos do guerreiro. Agrada-se o senhor dos que o temem, e dos que esperam em sua misericórdia”, “Faz forte ao cansado, e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor” (Jer 17.5; Sal 147.10; Is 40.29).

Lembramo-nos, também, de promessas tais como as seguintes: ”Derramarei água sobre o sedento, e torrentes sobre a terra seca” (Is 44.3); “Ó vós todos os que tendes sede, vinde as águas” (Is 55.1); expressões estas que testificam que ninguém tem licença de desfrutar da misericórdia de Deus senão aqueles que são humilhados pela consciência da sua própria pobreza . Sempre fiquei muito satisfeito com aquele ditado de Crisóstomo: “O alicerce da nossa filosofia é a humildade”; e ainda mais satisfeito com o de Agostinho: “Quando certo orador foi perguntado qual era o requisito mais importante para um orador eloquente, respondeu: uma boa entrega. Assim, se me perguntas qual é o requisito mais importante para um cristão verdadeiro, respondo: primeiramente, a humildade; em segundo lugar, a humildade, em terceiro lugar, a humildade.”                                      

Concordo com o ditado bem conhecido, procedente de Agostinho, que diz: “na queda, os dons naturais do homem foram corrompidos, enquanto os seus dons sobrenaturais foram inteiramente perdidos.” Entre estes últimos estão o amor a Deus, o amor ao próximo, e o desejo por santidade e justiça. Cristo os restaura para nós, e, portando, correta-mente os consideramos sobrenaturais; daí concluirmos que foram perdidos na queda. Perdemos, também, a mente sadia e o coração reto; e assim foram corrompidos nossos dons naturais. O poder de raciocínio mediante o qual discerne entre o bem e o mal, e pelo qual exerce o entendimento e o bom juízo, é dom natural, e, portando, não poderia ser totalmente destruído; mas foi em parte enfraquecido e em parte viciado, de modo que dele nada resta senão uma ruína desagradável à vista.